domingo, 24 de fevereiro de 2008

Curiosidade

– Mãe... Eu tava aqui pensando... O que é que determina a moda?
– As tendências... sei lá! Mas por que você está me perguntando isso?
– Porque eu ouvi o Paulinho falar que o amor está fora de moda.
– Como assim?
– Eu perguntei se ele me amava. E ele respondeu que “não... amar está fora de moda”.
– Ora essa!

[a menina dá as costas, voltando logo em seguida]

– Mãe... é possível que alguém um dia se apaixone por mim?
– Sim, meu amor... é perfeitamente possível. Mas, por quê?
– Ah, todas as minhas amigas têm paqueras, só eu não tenho ninguém!
– Vai ver que existe alguém que gosta de você, mas não teve coragem de se declarar.
– Sendo assim, eu posso ou não considerar que esse alguém esteja apaixonado?
– Pode sim.
– Hum... Então existem umas 50 pessoas apaixonadas por mim!
– Como assim, menina?
– As minhas amigas dizem que sabem que um cara está apaixonado quando ele fica olhando de um jeito diferente, quando ele às vezes desvia o olhar quando percebe que elas estão olhando... essas coisas.
– Mas é cada uma que eu vejo!

Madrugada

Faz frio lá fora e tudo o que desejo nesse instante é uma xícara de café. No momento, escrevo como forma de evitar a solidão, já que durante meses busquei companhias que me fizessem bem, que acalmassem o meu espírito e aquecessem o meu coração, e acabei por não encontrá-las. Tudo o que encontrei foram palavras vazias, gestos sem sentido, e outros mecanizados, sem ternura.

Escrevo como forma de desabafo, para pedir ajuda, receber perdão. Peço a você, minha amiga, que me entenda. Que perdoe se não estiver sendo claro o suficiente, mas é que já é tarde; estou cansado e confuso. Não tive coragem de acender as luzes, pois todos estão dormindo.

Por mais que saiba que tudo passará pela manhã, durante as madrugadas fico triste, pois me sinto sozinho. Por muitas vezes apenas me encolhi em um canto e tentei sufocar o choro para que não despertasse a minha mãe que trabalha o dia inteiro e que não merece ter o seu descanso interrompido.

É um sentimento tão estranho esse que toma conta de mim... Quero chorar, desaparecer, mas ao mesmo tempo, tenho medo. Medo de me prostrar, de não conseguir resistir às pressões... a mim!

A vista dói, sinto meus olhos pesados, graças ao inchaço das minhas pálpebras. Não sei se terei coragem de lhe entregar essa carta, mas... como eu gostaria que soubesse de tudo o que se passa comigo! Talvez, conscientemente eu não queira... mas a fantasia de entregar-lhe essa carta é quem me dá motivação a continuar escrevendo.

Escrevo já sem pudor ou vertigem, mas com uma certa tristeza. Escrevo a torto e a direito, como um inconseqüente que apronta...

Queria desabafar sobre a minha vida, sobre o que tem acontecido comigo desde a última vez em que nos vimos.

Lembra da Silvinha, aquela menina que lhe apresentei há uns anos? Pois é... Depois de ter me deixado louco de amores, ela me abandonou. Disse que precisava se afastar por uns tempos, que esperava que eu ficasse bem, mas que não dava mais. Isso me magoou tanto, você nem imagina! Todos os dias eu ficava a pensar nela, na esperança de que voltasse atrás. Mas isso já faz um ano. Na verdade, hoje é exatamente o aniversário dessa sua decisão de me deixar. Talvez por isso esteja escrevendo para lhe contar. Ah, Silvinha, por que fez isso comigo? Por que me quer assim tão mal? Não vê que estou sofrendo?

Minha boa amiga... só com você posso contar nesse momento de tristeza. Sei que não está aqui comigo, mas é como se pudesse lhe sentir me abraçar. Estou tão triste! Desejava agora o teu colo para me mimar, mas sei que não posso; estamos longe.

O dia está amanhecendo... Vou juntar essa carta às tantas outras que a Silvinha mandou devolver.

Espero vê-la um dia.


J.M.

Conversa de Elevador

– Desce?

Você já ouviu a expressão “conversa de elevador”? Pois bem... Dia após dia, o Miguel ouve histórias incompletas no elevador em que trabalha como ascensorista, o que lhe deixa quase sempre curioso. É sempre assim: alguém entra, destrinchando a vida alheia, contando todos os seus pormenores, mas na hora em que a história começa a ficar interessante, é chegada a hora de partir.

– Tchau.
– Até logo.
– Desce.

A história do amante traído pelo seu legítimo rival (o marido da ilustre senhora) desafiava a imaginação do jovem, que pouco conhecia da alma feminina.

– Sobe!
– Vou no próximo, obrigada.
– Sabe o Paulinho, do 302?
– Sei, sim. Aquele menino é uma peste... Nunca vi mais danado!
– Pois é... Dizem que foi expulso de duas escolas esse semestre.
– Mas por quê? O que o garoto aprontou?
– Bom... Na primeira escola, ele estourou bombinhas no banheiro masculino. Aí você já viu, né? Foi aquela confusão!
– Êta menino encapetado!
– Você precisa saber o que ele fez na segunda...
– E o que foi?
– A diretora queria vê-lo. Devia ter aprontado alguma, sendo chamado para levar advertência. O sinal tocou e logo após houve uma confusão no pátio. A diretora precisou sair e pediu que ele esperasse dentro da sala.
– E aí?
– Sobe?
– Sim senhora, dona Lúcia. Bom dia.
– Bom dia.
– Quando ela saiu, o menino estava sentado, mas logo aproveitou que estava sozinho e foi fazendo arte.
– Meu Deus...
– Pois é. O danado revirou os papéis que estavam na mesa, derrubou cola em alguns deles, e colocou o restante, que havia ficado no tubo, dentro de uma gaveta onde estavam guardados alguns documentos importantes. Aí já viu, né? Expulsão.
– É... Esse garoto tem mesmo cara de ser perturbado. Os pais deveriam fazer alguma coisa.
– Eu já sugeri à Amélia, mãe dele, que o leve ao doutor Raul. Ele é um ótimo psiquiatra; vai dar um jeito no garoto.
– Mas você acha mesmo necessário?
– Se o Raul não der um jeito nele, não sei quem pode...

[porta abre]

– É o meu.
– Tchau, Silvinha.
– Tchau, Margot...

E lá se foi um dos elos fundamentais nas conversas de elevador; alguém disposto a compartilhar das informações que estão sendo passadas: a famosa vizinha fofoqueira. É... Mesmo não tendo sido ela a “contadora” da história, em nenhum momento me pareceu fatigada ou incomodada com a inconveniência, que assim seria percebida por algum um outro morador, menos dado a essas bestialidades.

­– Desce.
– Mas já? Então passou da minha hora de descer...
– Desculpa, dona Margot. É que eu não podia perder o fim dessa história.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Bruninha

Dois amigos em um bar

— Sabe a Bruninha?

— A do 302?

— Sim, ela.

— Que tem?

— Ela me lembra meus amores da adolescência.

— Hmm...

— Aquele jeito doce, aqueles olhos verdes, aquela mancha no pescoço.

— Que mancha?

— Não importa. Ela é uma fofa.

— Que papo de fofa é esse?

— Eu fugiria com ela... pra longe!

— Hmm...

— Voltaríamos dois meses depois, ela já grávida do primeiro filho. Betinho... isso. Depois nasceria a Rebeca.

— Filhos pra quê?

— Eu seria um bom marido pra ela, sabe? Sairíamos aos fins de semana e deixaríamos os filhos com a minha mãe. Ela iria adorar os netos.

— Olha, a verdade é que...

— Espera, espera... Mas eu me separaria da Bruninha dez anos depois. Ela engordaria e não faria mais panquecas pra família. Agora só iria querer saber de assistir a novela das seis e de fofocar com a vizinha. Maldita Rosemília.

— Tá ficando tarde.

— Eu fugiria com uma aluna minha depois disso. E sem assinar os papéis do divórcio. Mas ela me roubaria os cartões de crédito. Eu ficaria revoltadíssimo, bêbado, e a deixaria pelada no hall da pousada. Sim. Depois de passar 3 meses preso, eu me candidataria a vereador, só pra provar que o povo elege os candidatos sem ligar para o passado deles. É. Depois estaria no Jô Soares falando sobre minha vida, quando me lembraria da Bruninha. O amor da minha vida. Beijaria o Jô, sairia correndo pra casa e reencontraria a Bruninha, agora magra depois do SPA, que me perdoaria e faríamos juras eternas, depois de muito sexo, é claro.

Ele, sozinho na mesa do bar, fecha os olhos e sorri tolamente, com a visão da Bruninha em seus Braços. Uma mulher entra no bar

— Vai já pra casa homem, as crianças tão te esperando.

— Ok amor... – ainda sorrindo de olhos fechados.

— Anda, homem de Deus.

— Me deixa sonhar, Rosemília!

Intervenção Urbana.

Ah, a cidade, o ápice da civilização... onde encontramos tudo que procuramos, tudo de bom e melhor ao nosso alcance, tão linda... suas ruas, seus sinais, seus shoppings, seus prédios resideciais, comerciais, sua prestação de serviços, seus mendigos, suas esmolas, seu policiais, seus bandidos, suas boates, seus moteis, seus pastéis, seus jovens, seus asilos, seus garis, seus porcos!

A cidade inventa sua lei que impera sob todos os cidadãos dando uma falsa e [in]tensa impressão de ordem. Intervir para mostrar sua verdadeira face, tanto a carniça como a beleza apodrecida e domesticada. Fazer a arte emergir do caos através da ação.

Para ser feliz

Textinho interessante...



É preciso não pensar na idade mas vive-la; Saber ser feliz é preciso antes de tudo encontrar a paciência, suprir a necessidade da mente em busca do dia-a-dia na consciência de entender que um dia você pode lutar para vencer mesmo que antes já tivesse sido derrotado, mas sem nunca perder as esperanças. Porque o comodismo é a injustiça da liberdade que provoca o transtorno do pecado e o desamor, a condição de caminhar pela paz. E a vida é todo espaço de tempo que temos para pensar no momento em que estamos consciente do que fazemos em benefício do amanhã.



Mandei esse texto pra "Filha do Céu", axei a cara dela ^^

Dona Regina

– Ele fugiu! Ele fugiu, dona Regina, nem adianta procurar.
– Mas não é possível que o gato tenha escapado logo agora, na hora de comer. Se fosse amanhã, eu não diria nada, afinal vou levá-lo ao veterinário.
– Então tá explicado! Ele fugiu, com medo.
– Medo de que, seu Juracir? E ele lá sabia que iria ser levado ao médico?
– Essas coisas o bicho sente, minha senhora. Tanto sentiu que ficou com medo e escapuliu.
– Não é possível... E agora, o que eu faço?
– Agora é só esperar o bichano voltar.
– Bichano não, seu Juracir. Alfredo.
– O seu gato se chama Alfredo?
– Isso mesmo!
– Tudo bem, dona Regina... Agora é só esperar “o Alfredo” voltar.
– Ai, meu Deus! Coitadinho dele... Vai ficar a noite inteira com fome e com frio. O senhor já viu como está frio lá fora?
– Quando estiver com fome ele volta, não se preocupe.
– Eu me preocupo, sim. Na verdade, mais comigo do que com ele.
– Como assim?
– É que desde que meus filhos foram embora, ele tem sido minha única companhia.
– É mesmo, dona Regina... Faz muito pouco tempo que estou morando aqui, mas desde que me mudei não notei a presença de nenhum dos seus filhos. Eles não vêm lhe visitar?
– O Pedro vem de vez em quando e o Marcelo não mora na cidade.
– Entendo.
– O Alfredo tem sido como um filho pra mim nesses últimos anos.
– E o seu marido? Desculpa perguntar...
– Aquele traste já foi é tarde!
– Ele morreu?
– Não. Foi morar com outra mulher. “A outra”, com quem ele me traía.
– Eu sinto muito.
– Não precisa. Nem eu sinto, pra falar a verdade. Eu fico até feliz de ter me livrado daquele lá. Ô homem pra me dar desgosto!

[Silêncio]

– E o meu gatinho, onde será que está? Alfredo! Alfredo? Vem aqui com a mamãe, neném! Querido...
– Já é tarde, dona Regina. Não é melhor a senhora entrar e esperar que ele volte?
– Não, seu Jurandir. Se quiser, pode voltar pra casa, mas eu vou ficar aqui, procurando.
– A senhora é quem sabe. Mas se precisar de mim, é só bater na porta.
– Muito obrigada.

[Duas horas depois]

– E aí, dona Regina?
– Nem sinal do meu gatinho...
– A senhora não acha melhor voltar a procurar amanhã?
– Pode ser. Estou muito cansada...
– Então... Vá descansar, que eu prometo lhe ajudar amanhã, logo cedo.
– Acho que não vou conseguir dormir essa noite. É que sou muito apegada a ele! Quando a gente chega em uma certa idade, seu Juracir, é triste perder alguém de quem se gosta.
– Em qualquer idade é igual, eu garanto.
– Não, não é. Quando se é velha e se está sozinha no mundo, assim como eu estou, as perdas são sempre mais sentidas.
– Então... Vá descansar que amanhã a gente encontra.
– Vou sim, mas com muita dor no coração. Boa noite, seu Juracir.
– Boa noite, dona Regina.

[Chegando em casa]

– Pobre do meu gatinho... Deve estar sozinho, na rua; com fome, sede, andando ao relento...
– Ai, meu Deus! Onde foi que eu enfiei aquele maldito gato?