sábado, 23 de fevereiro de 2008

Dona Regina

– Ele fugiu! Ele fugiu, dona Regina, nem adianta procurar.
– Mas não é possível que o gato tenha escapado logo agora, na hora de comer. Se fosse amanhã, eu não diria nada, afinal vou levá-lo ao veterinário.
– Então tá explicado! Ele fugiu, com medo.
– Medo de que, seu Juracir? E ele lá sabia que iria ser levado ao médico?
– Essas coisas o bicho sente, minha senhora. Tanto sentiu que ficou com medo e escapuliu.
– Não é possível... E agora, o que eu faço?
– Agora é só esperar o bichano voltar.
– Bichano não, seu Juracir. Alfredo.
– O seu gato se chama Alfredo?
– Isso mesmo!
– Tudo bem, dona Regina... Agora é só esperar “o Alfredo” voltar.
– Ai, meu Deus! Coitadinho dele... Vai ficar a noite inteira com fome e com frio. O senhor já viu como está frio lá fora?
– Quando estiver com fome ele volta, não se preocupe.
– Eu me preocupo, sim. Na verdade, mais comigo do que com ele.
– Como assim?
– É que desde que meus filhos foram embora, ele tem sido minha única companhia.
– É mesmo, dona Regina... Faz muito pouco tempo que estou morando aqui, mas desde que me mudei não notei a presença de nenhum dos seus filhos. Eles não vêm lhe visitar?
– O Pedro vem de vez em quando e o Marcelo não mora na cidade.
– Entendo.
– O Alfredo tem sido como um filho pra mim nesses últimos anos.
– E o seu marido? Desculpa perguntar...
– Aquele traste já foi é tarde!
– Ele morreu?
– Não. Foi morar com outra mulher. “A outra”, com quem ele me traía.
– Eu sinto muito.
– Não precisa. Nem eu sinto, pra falar a verdade. Eu fico até feliz de ter me livrado daquele lá. Ô homem pra me dar desgosto!

[Silêncio]

– E o meu gatinho, onde será que está? Alfredo! Alfredo? Vem aqui com a mamãe, neném! Querido...
– Já é tarde, dona Regina. Não é melhor a senhora entrar e esperar que ele volte?
– Não, seu Jurandir. Se quiser, pode voltar pra casa, mas eu vou ficar aqui, procurando.
– A senhora é quem sabe. Mas se precisar de mim, é só bater na porta.
– Muito obrigada.

[Duas horas depois]

– E aí, dona Regina?
– Nem sinal do meu gatinho...
– A senhora não acha melhor voltar a procurar amanhã?
– Pode ser. Estou muito cansada...
– Então... Vá descansar, que eu prometo lhe ajudar amanhã, logo cedo.
– Acho que não vou conseguir dormir essa noite. É que sou muito apegada a ele! Quando a gente chega em uma certa idade, seu Juracir, é triste perder alguém de quem se gosta.
– Em qualquer idade é igual, eu garanto.
– Não, não é. Quando se é velha e se está sozinha no mundo, assim como eu estou, as perdas são sempre mais sentidas.
– Então... Vá descansar que amanhã a gente encontra.
– Vou sim, mas com muita dor no coração. Boa noite, seu Juracir.
– Boa noite, dona Regina.

[Chegando em casa]

– Pobre do meu gatinho... Deve estar sozinho, na rua; com fome, sede, andando ao relento...
– Ai, meu Deus! Onde foi que eu enfiei aquele maldito gato?

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