sábado, 15 de novembro de 2008

Daqui

Daqui vejo o movimento dos carros
e das pessoas a transitar pelas ruas estreitas.

Daqui consigo enxergar seus sonhos,
até onde meus olhos me permitem alcançar.

Daqui vejo o mundo girar
e ele me vê, a espiar,
a vida passar pela janela.

domingo, 9 de novembro de 2008

Finalizando sobre amizade

Carlos acordou dentro da caixa de areia, não é um lugar comum para gatos acrodarem, não que este que lhes narra essas crônicas tenha alguma idéia de onde gatos deveriam acordar, mas não me parece, não sei quanto a vocês, que um animal que se dá ao trabalho de enterrar seus dejetos se deleite em acordar em cima deles, afinal é um gato não um ser humano. O ser humano, héroi dessas crônicas, vai acordar dentro em pouco, mas ao contrário do gato, José não estará de ressaca, de fato, faz algum tempo que José não bebe uma gota de álcool. Ontem a noite, antes de entrar no apartamento da vizinha, antes de beijá-la, estava ele comendo e lhe perguntaram o que ele queria para acompanhar o prato e para a surpresa de ninguém, José responde, Nada, estou satisfeito com água. Ninguém tinha motivos para ficar surpreso, pois só ninguém e nós sabíamos dos problemas de José com álcool, mas apenas ninguém presenciou a cena, segundo ele, impressionante. Contudo, antes de sair para aquele inesperado jantar, inesperado para todos, José teve o cuidado de encher taças, cálices, canecas e copos, cada um com um tipo de bebida que melhor satisfizesse as etiquetas que aqui devem ser respeitadas, pois apesar de Carlos ser um gato, e mais recentemente, um gato alcoólatra, ele é muito atento às regras de etiqueta, lembremos que ele enterra seus dejetos. Então concomitantemente ao jantar, romântico de José, Carlos usa sua delgada língua para capturar a cerveja do caneco, o licor do cálice, a caipirinha do copo, pequeno erro de etiqueta, e por fim o vinho do porto da taça, mas que se repare que apesar de cruzar mais de uma vez suas quatro patas entre si, de cair, com certeza não em pé, Carlos ainda cambaleou até a privada da casa para beber água, para limpar o paladar, ele sabe que não se deve beber algo dessa qualidade de qualquer forma, bem verdade que ele quase morreu afogado na privada e teve o desprazer de quase acordar e presenciar seu estado, mas ele voltou, menos cambaleante, até a taça e a bebeu, não, não a bebeu, graças a sua experiência de quase-morte, podemos dizer ele saboreou o vinho. José, nesse interím, já está no quarto da vizinha, aquela mesma do elevador, apesar de eu ser o narrador não me perguntem o que ele fez para apagar a desastrosa primeira impressão e estar agora com aquela vizinha no apartamento dela, mas não se preocupem que eu me esforçarei para arrancar essa informação desse personagem que gosta de se manter fechado, no entanto, pondo de lado essa questão, fica uma outra, a de saber por que raios um ser humano antes de sair de casa enche recipientes de álcool para que seu gato beba. Geralmente a resposta mais simples serviria, a saber, é um ser humano, pode se esperar tudo desse tipo. Mas no caso específico de José é a culpa que o faz cumprir esse ritual, ele já tentou deixar seu gato abstêmio, mas antes de virar a chave pela segunda vez o pensamento de que havia sido ele a iniciar o gato naquele vício não permitia que ele se fosse sem deixar algum tipo de compensação para o infeliz que havia prejudicado, e talvez para se consolar dizia, Eu conseguir sair dessa, ele também vai, dizia-o em voz alta, talvez para se convencer. Contudo, por mais que eu tenha escrutinado insidiosamente o cérebro de José, não consigo achar o motivo de ele ter que colocar cada bebida num recipiente adequado, vá lá, Carlos não é um gato qualquer, é um gato refinado, mas o mais refinado dos gatos não atentaria para a diferença entre se beber vinho numa taça ou em um cálice. Então, na noite anterior, depois de ter colocado cada bebida em seu devido lugar, José se dirige a porta, Carlos o encara do sofá, onde acaba de perceber que o dono vai sair, mais perfumado do que geralmente sai, José abre a porta, Carlos continua a encará-lo, José olha para trás e ouve Carlos dizer, Disponha. E nessa manhã, quando abriu os olhos o homem disse, Obrigado, olhando para a dama morena que deitava ao seu lado, ela virou para o lado e continuou a dormir, sabia que a palavra não era para ela.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Nhéim

Nem vem
que
Nem tem

E de gente Fonhéim
to cheio!

Amém.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

morreu
?
!
...
.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

PARCIAIS

Carro, casa, marido, três filhos. Conta em banco, emprego estável, realização profissional. Para qualquer mulher, o ideal de felicidade. Para ela, a triste realidade da existência desmotivada e acomodação humanas.

O marido não mais a satisfazia, as crianças eram umas pestes, o trabalho, aquele velho hábito que lhe aborrecia todas as manhãs. Nada mais lhe agradava. Até que encontrou um amante.

Sentir-se viva novamente; estar no controle da situação. Se não pudesse escolher os rumos da sua vida dali em diante, ao menos, havia uma chance de desviar-se da rota que havia traçado, anos atrás, com aquele fatídico sim.

Na vizinhança, rumores de que seu casamento havia sido desfeito por conta da traição do seu marido. Na verdade, estava convencida de que toda essa fofoca lhe serviria de pretexto para que tomasse tal atitude, sem ao menos se dar ao trabalho de constatar a veracidade dos fatos.

Uma amiga havia lhe dito, certa vez, que "ninguém e santa ou pecadora 24 horas por dia". Sábia Clara! Lição que guardarei para o resto da vida; levarei comigo.

Como pôde julgar alguém por cair em tentação uma vez na vida? Nunca houvera estado do outro lado... até agora. A sensação de não ser bem vista pelos demais não a limitava. Pelo contrário. Era até com um certo prazer, um despudor, que agia enquanto na companhia do amante.

Na vizinhança, era conhecida por ser uma pessoa simpática e prestativa. Cumpria suas obrigações como integrante de um grupo voluntário que assistia uma comunidade pobre no bairro próximo ao escritório. Ainda conseguia demonstrar piedade pelo próximo, mas consentia que a sua vida, vazia de significado, talvez lhe tivesse tornado uma mulher frígida. Não conseguia demonstrar carinho nem mesmo pelos filhos.

Durante o tempo em que perdura seu caso, percebe sentir algo toda vez que está em companhia do marido. Se já não está apaixonada como antes, algo mais forte a impede de sair de casa. E dessa vez, percebe ser este 'algo', diferente do habitual sentimento de comodidade. Não, não era comodismo o que ainda a unia ao marido. O medo, o prazer, a iminência de ser descoberta... Tudo se mostra assustador – e a excita.

E todos os dias volta ao lar com o sorriso estampado, de quem encontrou a felicidade. E talvez a tenha verdadeiramente encontrado, nessa rotina embriagante de uma vida dupla.

Era feliz até descobrir, de fato, o que era a felicidade.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Êta guri!

Vi um dia um gurizinho bem arteiro
Bulinava em casa as coisas o dia inteiro
Não parava quieto: pulava e fazia estripulia
E se reclamavam, logo ele virava Maria
Maria escombona.

Êta guri malino!

Queria voar igual a uma muriçoca
Daquelas que quando mordem logo se coça
Visitava o pai no trabalho, fazendo enxame
E logo voltava pra casa, pra comer inhame

Êta guri esfomeado!

Na rua, só andava de bicicleta
Desenhava no chão uma ou outra seta
Vinha veloz e dava uma rabiada
E às vezes saia com uma perna machucada

Êta guri arteiro!

A mãe da cozinha gritava:
"Avia menino, vai já tomar banho"
E ele do quarto chorava:
"Quero não mainha, tô com uma pereba desse tamanho"

Êta guri coisado!

Mainha olhava a ferida, já com cara de sabida:
Trazia uma boa pomada, que deixava a perna ardida
"Chore não meu fio, quem mandou ser maluvido?"
"Tome logo o seu banho, e lembre de lavar o imbigo"

Êta guri lodento!

Uma ruma de vizinho já conhecia o tal guri
Um fuxico todo dia, só se ouvia o ti-ti-ti
E ele, pra não se deixar esculhambar
Assustava os gatos daquele povo, que só sabia cabuetar

Êta guri tucudo!

Futucando um dia no baú do velho avô
Encontrou um estilingue, imaginem o que aprontou
Saiu matando calango, acho que todos do mundo
Até que um o mordeu o pé, ele gritou: "ô fio do cabrunco"

Êta guri bocudo!

Era um guri feliz, futucando a esperança
De quem acha que um dia esqueceu de ser criança
Não seja paia, tire seu sapato
E sacuda a tristeza toda no mato

Êta guri felizardo!

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Desbeijo

Um beijo é tudo
e ao mesmo tempo é nada

Beijo frio não alegra um coração
Palavras nuas fazem mal à alma

E como aquilo que se diz
é esquecido no momento
em que é falado e ouvido

Seu beijo me é esquecido
no momento
em que é beijado e sentido

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

pra lembrar

a arte do esquecimento
faz que todo eu
se perca no tempo

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Sem inspiração...

Sabe aqueles dias
quando tudo parece passado distante
as alegrias são remotas
as risadas já foram esquecidas
e somente a saudade restou?!

Nestes dias,
a inspiração pro recomeço
some.
Tudo se torna cinzas
e o vento está levando, levando, levando...
Quando vou me transformar numa
Fênix?

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Será que cabe romantismo em mim?

Falar de amor não é fácil,
precisa-se teorizar,
institucionalizar o amor
e pôr limites onde não há.

Também não é fácil amar,
não é fácil para uma finitude cotidiana
deixar-se penetrar pelas perturbações
e pelas incongruências
que nela são provocadas
quando em contato com algo
de natureza tão oposta à sua
como é o amor

Acontece que eu acabei de falar de amor!
Pois, se ele é de natureza oposta
ao que é finito e cotidiano
logo, é infinito e extraordinário!

Mas ainda assim
o amor não cabe nesta lógica.

Infinito não serve
porque quando estou com você
tenho medo do fim.
Uma angústia me consome
e eu só consigo pensar
que mais cedo ou mais tarde
o seu amor por mim
vai acabar.
Mas por outro lado
há uma chama de certeza
que permite que eu me entregue
e saiba que amanhã você vai voltar.

Isso não é extraordinário?!

Não, não é!
Isso, extraordinariamente,
invade meu ser todos os dias
e até mais de uma vez por dia
tantos quantos forem os momentos
em que estou com você.

Não existem palavras
que sirvam à lógica do amor
porque o amor não tem lógica
ele é sim e não,
é tesouro e esmola,
é nada do que eu tenho
e tudo que eu quero te dar!

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Despedida

Com quem irei conversar, sempre... sobre tudo, ou sobre qualquer coisa?

Quem me apoiará, quando eu estiver chateada?
E os puxões de orelha, diz quem é que vai dar.
Sentirei saudades e ponto.

Saudades do meu cabelo arrumado, que por graça, você faz questão de bagunçar.
Saudades da nossa conversa na cozinha, saudades do desabafo.
Das piadas sem graça...

Saudades até das inúmeras vezes em que você solta meu cabelo, só pra me chatear.
Saudades dos sustos que você me dá; e dos tapas que lhe dou por me assustar.

Saudades de cozinhar pra você.
De não cozinhar pra você, e você acabar "filando" a minha comida...

De lhe ouvir me chamar de "mitcha"...
De tentar fazer tranças nos fios de cabelo do seu braço.
Até das brigas sentirei falta.

Das vezes em que você voltava pra casa com algo que tinha comprado pra mim, e dizia: "lembrei de você".
Saudades de também lembrar de você.
Saudades da sua chatice...
Saudades, enfim.

Em resumo: sentirei saudades da sua presença. Por isso, volte logo!

quinta-feira, 19 de junho de 2008

metacardiologia

um coração exposto
não morre
de desgosto

quarta-feira, 11 de junho de 2008

A Via Lactea

"Quando tudo está perdido
Sempre existe um caminho
Quando tudo está perdido
Sempre existe uma luz
Mas não me diga isso

Hoje a tristeza não é passageira
Hoje fiquei com febre a tarde inteira
E quando chegar a noite
Cada estrela parecerá uma lágrima

Queria ser como os outros
E rir das desgraças da vida
Ou fingir estar sempre bem
Ver a leveza das coisas com humor
Mas não me diga isso!
É só hoje e isso passa...
Só me deixe aqui quieto
Isso passa.
Amanhã é outro dia
Não é?

Eu nem sei por quê me sinto assim
Vem de repente um anjo triste perto de mim
E essa febre que não passa
E meu sorriso sem graça
Não me dê atenção
Mas obrigado por pensar em mim.

Quando tudo está perdido
Sempre existe uma luz
Quando tudo está perdido
Sempre existe um caminho
Quando tudo está perdido
Eu me sinto tão sozinho
Quando tudo está perdido
Não quero mais ser quem eu sou.

Mas não me diga isso
Não me dê atenção
E obrigado por pensar em mim..."


PS.: sei que era pra ser uma produção nossa... mas alguém já viu uma pessoa pra conseguir traduzir melhor o que a gente sente do que Renato Russo!!

terça-feira, 27 de maio de 2008

Se quiser tentar

Não foi dessa vez,
Quem sabe da próxima...
Não foi dessa vez,
Que tal tentar novamente?

Darei uma outra chance,
Se você quiser.
Rasgarei aquela carta.
Será como se nunca
A tivesse lido.
Eu juro!

Prometo que tudo
Poderá ser como antes.
É só você tentar.

Podemos fingir
Que nada aconteceu.
É só você tentar.

Suponho que valha a pena.

Que tal começarmos do início,
Novamente,
Você e eu?

Esqueçamos as desavenças.
Dessa vez não haverá contratempos.

É só fazermos direito
Dessa vez.
Você vai ver.

sábado, 24 de maio de 2008

24/05

Os seus medos inconfessáveis, os seus problemas mais triviais... Tudo isso me interessa. Deixe-me descobrir quem é você de verdade – o ser que se esconde embaixo do seu mostrar-se. Qual a verdade que traz consigo, irrefutável e sombria? Qual o seu nome? O seu aroma! Que gosto será que tem a sua boca? Os seus olhos... Eles cheiram a arlequim!

Juro que se soubesse me explicar, tentaria; mas é vão esse momento... É tão inútil tentar expressar com palavras o que não consigo entender! Sei apenas que sinto; e o que sinto dói. É cortante. Talvez até mais do que achei que pudesse ser.

Por que, de vez, não me arrasa? O que pensa que está fazendo comigo? Sinto não suportar... É vermelho e denso o sangue que corre nas minhas veias, você não vê? Meu coração pulsa; e não apenas isso: ele pulsa por você.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Nada como um chocolate quente em um dia frio!

Nada como um chocolate quente em um dia frio!
E quem diria que uma das coisas mais importantes da vida são os amigos?
Ou que um peixe cria tantos mitos sobre a terra quanto os homens sobre o mar?
E que a liberdade aparece quando menos se espera e onde não pode ficar?

Mas não há nada como um chocolate quente em um dia frio!
Nem como as gotas de orvalho sobre as rosas ao amanhecer!
Ou como o riso de uma criança dissipando o rancor!
Pois o que inspira a insignificância mascara o esplendor
E a poesia não encontra maior expressão do que o dia-a-dia!

E a existência não encontra mais sentido do que uma pizza fria
Que no meio da noite alimenta o insone ou os famintos de amor!
E quando me perguntam o que espero da vida [pois há ainda aqueles
que esperam que encontremos um sentido por eles]
Ha! Eu rio e digo: Da vida?
Eu não espero mais que um chocolate quente em um dia frio!

terça-feira, 20 de maio de 2008

Calado, escuro e só.

Vai-se a noite com vai a vida...
Quão bela imagem salta aos olhos daqueles que assim a enxergam.
A despeito daqueles que a temem,
Dos que vêem em qualquer sobra o vulto assombroso do expiro,
Dos que a trocam pela certa (e finda) luz do dia,
A noite reserva-se o direito de silenciar.
Pode ser apenas um penoso e inócuo silêncio,
Mas fala alto em meu peito.
Pois, aqui do fundo onde somente o nada enxergo
Não me amargura o calafrio que tua ausência me causa.
De verdade, dele até gosto.
Mas preferia a companhia do vazio definitivo: nunca mais tê-la.
Ele talvez silenciasse essa vontade de iluminar meu dia.
Poderias mesmo me empurrar vão abaixo e destroçar-me no escuro de minh'alma.
Por certo ficaria triste, mas - juro - não mais do que estou agora.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Um Olhar...

Aí se escondem segredos,
aqueles mais ocultos, que nem
o mais dedicado filósofo pode estrair,
ou o mais competente cientista pode quantificar e qualificar,
ou o mais impressionante poeta pode contar.

O que há aí?
Não sei.
Me diz você.

terça-feira, 13 de maio de 2008

o pisco do rabisco

a arte de escrever
vive nos olhos
de quem lê

domingo, 4 de maio de 2008

Um pouco mais de amizade

José acordou no chão do banheiro, é um lugar incomum de se dormir, isso para as pessoas comuns, José não é um ser comum, e comum para ele sempre foi dormir em lugares pouco convenientes, já acordou no corredor, na escada, no elevador, no sofá e na pia. Não é narcolepsia o problema de José, se se quiser chamar de problema José tem vários, depende se estar chovendo ou não, se tem muitas cédulas na carteira ou não, se estar mais próximo do bar ou do supermercado, nem todas variáveis que seu comportamento abriga José conhece, José não costuma se contemplar, nem pensar sobre o vinho, o uísque, a vodka, a cerveja, a cachaça, essa com mais raridade, que costuma beber e nunca elaborou essa questão como um problema, não a sentiu como um problema. Quando acordou com a cabeça na pia, talvez pelo desconforto causado pela posição pensou sobre o assunto, mas foi um momento rápido, a dor de cabeça o obrigou a mudar o foco de seus pensamentos. Agora ele acorda no centro do chão do banheiro em meio a uma poça, que evitarei precisar a composição, olha para o gato preto que está a sua frente e mia. Miou e desmaiou no instante seguinte, em meio ao breu que consumia sua visão lembrou da dama do elevador e miou, ao miar acordou. Já estava no box do banheiro na segunda vez que acordou, o chuveiro estava ligado e o gato continuava a olhá-lo. Não se sabe se gatos tem músculos faciais necessários à expressão de pena, mas Carlos os adquiriu sabe-se lá onde e os demonstrou a José. A água descendo pelo chuveiro era gélida, obviamente o ser que abriu esse chuveiro não era capaz de fazer os procedimentos necessários para promover um banho agradável. Enquanto a água caía, os olhares dos amigos continuavam cruzados. Como você chegou a isso, diz o gato, Acho que foi o uísque, ou talvez o vinho, responde o outro, Você já deveria ter entendido que o cinismo te faz parecer mais fraco do que já é, Você realmente acha que esse é o momento para discussões desse calibre, E que momento seria adequado, além desse, nesse em que você é menos que um animal, Não importa o que eu faça jamais serei um animal, já você, Não sei se isso é uma ofensa, então só posso te responder com alívio, que não importa o que eu faça, nunca serei um ser humano. José volta a desmaiar. José acorda em sua cama. O gato continua, insiste em olhá-lo. Como cheguei aqui, Como você acha, Olha, desculpa pelo que te disse no banheiro, não estava raciocinando, estava bêbado, Vamos fingir que isso seja uma justificativa e mudar o rumo dessa conversa, Você não disse se me perdoa, Acredite, o importante aqui é você se desculpar. Carlos aproximou seu focinho da face de José de modo que os olhos fossem forçados a manterem-se uns nos outros, o que você quer fazer de sua vida, não digo sua vida social, que é inexistente, mas puramente sua vida biológica, Eu ainda não estou sóbrio o suficiente para pensar em diferenciações como essas, Cinismo. José levantou-se de repente da cama, por sorte, não foi sorte, Carlos é um gato, e gatos caem em pé e no mesmo repente José foi ao bar da casa, buscou a bebida mais forte que tinha e voltou ao quarto, trancou a porta, trancou a janela, teve certeza que não havia modo de sair do quarto. Você fica aí com esse ar de superioridade, pensando que sabe tudo sobre mim, e nem ao menos bebeu em sua vida biológica, ou social, Sarcasmo, agora, Cale a boca, seu filho de uma puta, hoje eu vou mudar sua perspectiva. Correndo para seu amigo José o arrebatou no meio da corrida, Carlos não pareceu se importar com o ocorrido, apenas quando José forçou os primeiros goles é que ele resistiu um pouco mas foi se permitindo e em poucos goles já havia perdido a consciência, José pulava e gritava como uma criança contente e como homem bebeu os goles restantes e como seu amigo dormiu no chão do quarto.

domingo, 13 de abril de 2008

Fim de tarde

Mais um final de semana em casa: sem companhia, sem inspiração para escrever, sem um destino. Ninguém para conversar, nada em mente que lhe sirva de desculpa - além da habitual falta de assunto - e nenhum rumo a ser tomado ao longo do dia. A leitura habitual, a espera por alguém que não irá aparecer, o cansaço e o tédio corriqueiros. A ansiedade por algo que não vai acontecer.
A mesma música, tocada diversas vezes, apostilas jogadas sobre a cama alinhada e o relógio à frente, marcando a passagem do tempo; tempo esse em que nada acontece.
A busca por algo que faça sentido, a incerteza de ser encontrada por alguém que anseie sua companhia, o desejo de um convite para sair. O dia já conta com a sua décima oitava hora, mas ainda há uma chance de que algo aconteça.
Levanta, menina! Vai côlher sorrisos pela rua, colorir a grama com a lama das suas pegadas, andar no sereno que a noite lhe oferece. Vai... Põe aquela roupa de festa, afinal, todos os dias lhe reservam alguma surpresa. Sai! Busca encontrar um alguém especial, talvez aquele amigo com quem não conversa há muito. Conta a ele todos os seus problemas, chora de rir se possível for. Vive com ele seus melhores momentos, até que lhe seja possível viver momentos melhores.
Faz desse dia um momento especial e desse amigo um porto seguro. Segura a sua mão e sente que não estás sozinha; convida outros amigos para um bate-papo, marca de encontrá-los em algum lugar. Divirta-se como nunca fôra possível e assim, seja verdadeiramente feliz; ao menos, por hoje.

sábado, 5 de abril de 2008

Ainda sobre amizade

O problema de uma afirmação generalista é que ela pode excluir certos elementos que se queria que estivessem incluídos. Quando digo que todo cão late e do nada encontro um bicho que, a despeito dessa afirmação, não late mas que é um cão, as idéias entram em conflito. Por isso cabe dizer agora que Carlos é um gato, um gato preto e vira-lata, sem nenhuma marca física que o distingüa de outros tantos gatos pretos e vira-latas. É esse gato preto que está com José agora no elevador, um elevador como vários outros, do prédio onde a dois dias moram ambos. Estão em uma conversa animada, José gesticula alegremente com a mão que não segura Carlos, falando da programação do dia, Iremos ao cinema, talvez depois a uma sorveteria por perto mesmo, não sei a que filme assistir, faz diferença pra você Carlos, eu pensei em um suspense, o que você acha. O elevador pára no andar logo abaixo, a atenção dos dois se desvia para esse processo, no final do processo, uma mulher, não mais de vinte e cinco anos, morena de cabelos negros, não mais de um metro e cinquenta e seis centímetros, com seios médios, coxas bastante interessantes, opinião de José, e com um perfume levemente floral e doce. Uma doçura que penetra nos poros e ameaça arrancar a pele quando a fonte se vai. Essa fonte ficou. Uma mulher, José e Carlos em um elevador. A mulher olhava constantemente para José, que constantemente olhava para baixo, Carlos estava alheio à situação. Num instante, apenas um instante em que José levantou a cabeça e fitou a mulher, atrás de sua bunda, os olhares foram trocados e ela sorriu. Não deve haver muitos sorrisos como esse, um sorriso que impediu José de continuar sua busca pela beleza mais baixa, pois lá há beleza, um sorriso que raptou os olhos de José, que os manteve cativos por ter do mundo retirado todo o brilho e nitidez para depositá-los em si. Enquanto os olhos de José estavam presos e Carlos se contorcia enjoado pelo doce da mulher, os gatos não devem ter tantos poros quanto os homens, ela perguntou lançando carícias em Carlos, O gato tem telefone. Há diferença entre a resposta verdadeira e a correta, José escolheu a verdadeira, e sorrindo bobamente falou, Não. É verdade, o gato não tem telefone. O sorriso foi desfeito, o mundo teve de volta seu brilho e nitidez, o botão do próximo andar foi apertado e ela desceu, levando alguma parte de José, antes de seu destino programado. Tudo isso, pareceu ao homem, ocorreu em um segundo. Antes de sair a mulher ainda disse, Idiota, fala a que Carlos fez coro e contínuou, Idiota, como você dá uma resposta dessa, como você pode ser tão burro, ela estava te querendo, seu nada, acorda, idiota. José totalmente atônito por ser a primeira vez que ouvia tanta grosseria vinda de Carlos, só conseguiu pronunciar, Mas ela perguntou por seu número. O gato se resignou a miar.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Rascunho

Por que eu não posso apenas sentir, como todos os outros? Por que eu pareço tão confusa? De me sentir bem, feliz, aceita... por que é tão difícil acreditar ser capaz? Quanto mais penso nisso, mais sou levada a questionar minhas verdadeiras razões. Por que é tão difícil seguir os próprios conselhos? Talvez por que opinar seja sempre mais fácil que agir.
Por que é tão cruel essa dor que sinto quando você vai porta afora? Por que sua imagem vem à minha mente sempre que penso em felicidade? Por que sempre me escondo atrás de falsos sorrisos? Quem me ensinou a ser assim?
Não sei. Talvez nunca saiba. Mas enquanto não encontro as respostas, vou vivendo a vida do jeito que ela me fora ensinada.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Liga a tv!

Naquela manhã havia acordado febril, como quem espera gripar logo em seguida. O corpo dolorido sugeria uma semana em casa. "Não vou poder ir pra escola hoje".

- É, Luizinho... a mamãe sabe. Vou falar pra sua irmã pedir a agenda à professora.
- Diz à tia Lila que amanhã eu vou.
- Só se estiver melhor, querido. Se continuar com febre, vai ficar mais um tempinho em casa.

Assim que deixa o quarto do garoto, dona Camila vai até o armário azul do seu quarto, buscar um termômetro que comprara dias atrás.

- Mãe!
- Que é, Luizinho?
- Quero ver televisão!
- Já vou ligar pra você.

[duas horas depois]

- Mãe, com fome.
- Vou pegar alguma coisa pra você comer.

[mais tarde]

- Mãe! com sede!
- Já indo!

Tempos depois, dona Camila traz o prato de Luizinho, que se recusa a comer os legumes. "Não, mãe. Você sabe que eu não gosto".

- Liga a televisão!
- Mas não está passando desenho essa hora...
- Coloca aquele DVD que a gente comprou semana passada, no mercado.

[Juliana chega da escola]

- E aí, trouxe a agenda?
- Tá aqui.
- Vai trocar de roupa pra almoçar.

[...]

- Vamos fazer o dever de casa, Luizinho?
- Agora não, mãe... tão cansado!
- Cansado de que, menino? Você não fez nada o dia inteiro...
- É que ficar doente dá muito trabalho, mãe!

terça-feira, 25 de março de 2008

Concorda comigo?

- Mãe! A Rosana fez uma tatuagem tão linda... Eu queria fazer uma também.
- Quantas vezes eu vou ter que lhe dizer não?
- Deixa, por favor!
- Não é não, Gabriela. E não insiste!
- Ah... Lembra da Silvinha?
- Silvinha?
- É, mãe! Aquela ruivinha que dormiu aqui em casa algumas vezes.
- Ah, sim... Lembro. O que é que tem ela?
- Tá grávida.
- Minha nossa! Tão novinha...
- Pois é!
- Eu nem imagino a reação dos pais dela quando souberam.
- Mas eles não sabem.
- Não?
- Não. Ela pretende tirar antes que mais alguém fique sabendo.
- A Silvinha é doida? Como ela vai fazer um negócio desses?
- Eu disse a ela que era errado, mas ela não me escuta!
- Quando ela pretende tirar?
- Não sei, mas acho que não vai demorar muito pra que ela faça isso.
- Alguém precisa impedi-la. Ela não pode fazer essa loucura. Além de tudo, o aborto é um ato criminoso!
- Ela sabe, mãe. Mas está tão desesperada...
- Nossa! E o namorado da Silvinha?
- Ela não tem namorado.
- Não? O pai da criança, sei lá!
- Ela não sabe quem ele é.
- Nossa! Essa Silvinha, também! Ô menina sem juízo, essa sua amiga. Ei, mas... espera!
- Quê?
- A sua amiga ruivinha não se chama Sofia?
- Er... Ahn...
- Gabriela! O que é isso na sua cintura?
- Er... Uma tatoo.
- Quantas vezes eu lhe disse que se colocasse tatuagem eu tiraria com a faca?
- Ah, mãe... Pior seria se eu estivesse grávida, não acha?

segunda-feira, 24 de março de 2008

No meio da noite

São duas e meia da madrugada e o meu celular está tocando.

- Não vai atender?
- Não. Será que o infeliz que tá ligando não percebe que já é tarde? Daqui a pouco, desiste.

Viro pro lado. O celular continua tocando. Viro novamente.

- Que saco! Esse povo por acaso não sabe que horas são?
- Atende!
- Não.
- Se você não atender, vão continuar insistindo.
- Que saco!

Pego o celular, que pára de tocar.

- Desistiu.

Volto a deitar. No instante em que tudo parece calmo, ele toca novamente. Impaciente, pego o celular e desta vez consigo atendê-lo.

- A cobrar? Mas é muita cara de pau!

Desligo. O celular toca, insistente.

- A cobrar, de novo?
- E se for importante?
- Alguém me ligando a cobrar, essa hora?
- Atende, vai! Já estamos acordados mesmo...

[Gravação]

- Pois não?
- Natália?
- Não. É engano!

Desligo. [...] O celular toca mais uma vez.

- Que inferno! [...] Meu querido, eu já disse que não existe nenhuma Natália aqui!
- Não, por favor... Não desliga o celular!
- Olha aqui... São duas da manhã [olho pro relógio]; aliás, duas e meia, e você quer ficar jogando conversa fora?
- Desculpa. É que a minha esposa viajou e estou na rua, sem chave.
- Sinto muito, mas não posso lhe ajudar.
- Por favor... Chama um chaveiro pra mim.
- Como é que é?
- É que eles não aceitam ligações a cobrar e nenhuma das outras pessoas com quem tentei falar me atendeu.
- Por que não me espanta o fato de não terem lhe atendido?
- Por favor!
- Tudo bem. Dá seu endereço. [...] 'Benhê', dá uma folha de papel!
- Rua das Acássias, 325, apartamento 32.
- Tudo bem, vou mandar o chaveiro. Boa noite.
- Obrigado e desculpa o incômodo.

Olho pro meu marido, que ri com o que acaba de ler.

- Você sabe com quem estava falando?
- Faço a mínima idéia!
- Você não lembra quem mora nesse endereço? [E me estende o papel...]
- Não.
- O seu primo, Adalberto.

quarta-feira, 19 de março de 2008

'Me' explica!

Pára de olhar pra mim como se soubesse o que estou sentindo! Não vê que são apenas lágrimas o que trago nos olhos? A angústia que supõe ter visto é fruto da incerteza que traz com você. Eu nunca perco o controle nem me deixo abater facilmente. Pelo menos, até agora...
Por que você não me abandona? Por que não vê que tudo o que lhe peço é apenas isso? Desejo que vá embora; procure um outro alguém. Talvez aquela com quem estava antes de encontrar-se comigo. Por que ainda lhe ouço chamar meu nome? Já não lhe disse ser esta uma palavra proibida? Por que ainda lhe desejo perto? Talvez porque não me canse de sofrer.

terça-feira, 18 de março de 2008

Futuro simples e terceira do plural

Mesmo distante, saiba que a cada momento a sua lembrança me acompanhará e será o meu consolo. Sua imagem tornará confortável todo o restante dos meus dias, ao menos aqueles em que a sua ausência não insistir em desgraçar de vez. O seu sorriso estará para sempre vivo na minha memória e a cada novo dia eu o ansiarei novamente. Em meus olhos guardarei a cor dos dias floridos em que passeamos juntos por entre as vielas dessa cidade, que agora está triste, sem você. Eu sofro... E assim vou vivendo, aguardando o dia em que nos encontraremos no infinito. Sinto como se pudesse me ouvir... Meu desabafo talvez lhe cansasse os ouvidos, mas jamais saberei, já que não pode me responder. Eu lhe sinto aqui e agora, tão presente em mim! Mesmo estando perto, sentirei saudades.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Tenho medo

Tenho medo de sair sozinha,
de ser violada,
de me perder nas ruas,
de ser odiada.

De fechar os olhos,
de andar no escuro,
de trovões e raios,
de me sentir só.

Tenho medo de tudo um pouco...
Talvez de mim, mais do que de qualquer outra coisa.

Do que possa fazer,
do que possa pensar,
do que possa sentir
ou deixar de sentir.

Tenho medo dos meus pensamentos.
De errar,
de pedir o perdão que não mereço.

Tenho medo de sentir...
E isso faz toda a diferença.

domingo, 9 de março de 2008

Impressões

Poucos amigos, nenhum namorado, todos os motivos do mundo para ser feliz. Ao menos é assim que lhe descreveriam os seus amigos nem-tão-íntimos, próximos o suficiente apenas para os programas dominicais. Um filme ao qual ela sempre assiste sozinha, uma conversa sem sentido e sem graça, um lanche do qual se serve apenas para acompanhá-los.
Triste menina, por que anda cabisbaixa? Não vê que lá fora há um mundo cheio de possibilidades? Antes de se sentir só, olhe em volta. A natureza não lhe pede que se esforce; ela silencia em respeito a sua dor.
Busca encontrar algum sentido ‘para o que’ ainda não sabe. Não pede que lhe entendam, nem mesmo que aceitem; só deseja um carinho autêntico de vez em quando. O que sente é tão óbvio... Por que será que ninguém percebe?
Já amou e desamou diversas vezes. Chorou sem motivo, brigou, pediu perdão... já pôs tudo a perder centenas de vezes. Magoou quem mais gostava, quis poder voltar atrás. Percebeu-se incapaz de ‘se perdoar’.
Tentou agradar a todos, já quis salvar o mundo e deu a ele o seu melhor sorriso. Mas nunca foi o suficiente!
Hoje ela anda devagar; quase tropeçando em seu cadarço desamarrado. Uma foto guardada com carinho, rascunhos e rabiscos de cartas apaixonadas. Se apega às boas lembranças, pois esse sentimento, sabe que ninguém lhe poderá negar.

sábado, 8 de março de 2008

amizade

se você pensar bem, sempre houve momentos em que no fundo você sabia serem importantes. aquele instante, pequeno, que a maioria dos humanos permite passar, um rosto pelo qual se tem certeza que os calcanhares devem dar meia volta e seguir mas que, mesmo a certeza estando presente, a inércia é mais forte e continuamos (ou continua-se) a andar. sendo ele humano, ele também sentiu esse momento, não foi por um rosto - agora não é a hora apropriada para romantismos rasgados. sentiu e, a despeito de sua humanidade, parou e voltou, sinceramente acho que estatisticamente, apenas por esse ato, ele deve estar num grupo de um centésimo por milhões. ele parou para um gato, preto, não sejam supersticiosos ainda. o bichano o olhou como se olhasse uma antiga refeição, um tanto de superioridade e de familiaridade, ele olhou o bichano como se olhasse um antigo amigo. as amizades de Carlos são assim, há sempre uma hierarquia inflexível. melhor para os amigos. carlos, esteja claro, é o nome do gato, não ainda, mas depois que José o levar para casa. José é o bípede. mundo estranho esse em que quadrúpedes estão sujeitos a conviverem com bípedes por causa de alimento, víveres, para ser exato, isso teria sido o que Carlos teria pensado se gato não fosse, mas dizemos nós por ele. para que não tenhamos de dizer sempre por outros, mudemos o foco da história.
José nunca teve um animal, nenhum nunca o tinham atraído, mentira, de José, ao narrador cabe apenas a verdade, José nunca tinha sequer pensado em animais. mas aquele gato não foi uma questão de pensamentos, eles simplesmente se acharam. José se achava tão ligado àquele gato que pareciam terem se conhecido quando ambos eram filhotes, e Carlos estava no apartamento havia poucas horas, comido o suficiente por dias, bem verdade, mas as horas do relógios são objetivas, independente das fomes, que são, para homens e gatos, várias. Voltemos ao afeto que serão eles a dar aos ouvintes, a José e a Carlos a história. Carlos não pensava nada, José era só alegria, tinha uma companhia, pensou em locar alguns vídeos para assistir com o novo amigo. fazia tempo que o tocador de dvd não era ligado, visitas não são muito frequentes aqui. música também não era, mas veja que alegria um bichano traz a um lar, faz algumas horas, mais horas do que fazia antes, que ouves-se claramente sons ritmados e melodias variadas que vêm desse apartamento. os vizinhos, sempre chatos, reclamam, Mas que porra, onde já se viu música a uma hora dessa, Você está doido seu viado, não se sabe se isso foi uma pergunta ou uma afirmação, José não se importou, não nos importemos também. o que importa é que o vídeo foi locado e estão, José e Carlos, a assistir a ele. nunca se verá cena tão linda, lado a lado, ao menos um deles está olhando para a tela. então o bandido morre no final. uma cena comum em filmes comuns. isso nunca aconteceria na realidade, o cara descarregou um pente de fuzil e não acertou um tiro, diz José, Não sei, a realidade pode ser bem estranha, responde Carlos.

essa crônica foi para pagar uma dívida e obedecer uma ordem.

terça-feira, 4 de março de 2008

Telemarketing

– [...] Essa que o senhor possui é a versão 2.0.

– Até agora a atualização não apresentou nenhum defeito. Mas se eu decidir devolver?

– Desculpa, o contrato não prevê devolução. O que o senhor deverá fazer, em caso de defeito, é procurar a assistência técnica mais próxima.

– Só espero que haja alguma por perto. E se o defeito for de fabricação?

– Não se preocupe... o produto estará assegurado nesse caso, sem adicionais nos custos, se for comprovada alguma falha técnica. No caso de defeitos não-especificados no manual, o senhor deve se dirigir ao balcão de reclamações...

– Sabia que estava faltando alguma coisa! A minha veio sem manual.

– O senhor por acaso teria um comprovante de compra? Porque sem ele é inviável qualquer tipo de reclamação.

– Sabe o que é? É que eu ganhei de brinde em um desses sites de relacionamentos...

– Os procedimentos adotados na nossa companhia visam o bom atendimento e a satisfação dos nossos clientes; mas não podemos ajudá-lo caso não seja comprovada a aquisição dos nossos serviços, através da compra legítima e legal. Sinto muito.




*caiu a ligação*




Acreditem ou não... essa foi uma conversa [adaptada] de bate-papo. Ah... o “produto” sobre o qual estão falando não é um eletrodoméstico, mas uma pessoa, em sua versão 2.0 (piada interna). Não... não vou contar com quem tive essa conversa altamente produtiva. X)

segunda-feira, 3 de março de 2008

Lembranças

Cenas corriqueiras me remetem à infância: ao tempo em que minhas únicas preocupações eram 'saber quantas moedas se faziam necessárias' e 'ter os meus pais sempre por perto'. Hoje as moedas não mais me impressionam; e não temo [como antes] não encontrar os meus pais ao chegar em casa.

O cheiro da grama recém-cortada, o estalar dos beijos da minha mãe... Tudo isso em mim permanece de alguma forma. A primeira escola, os amigos queridos, os planos de fugir de casa. É... fugir de casa! Qual a criança que nunca se irritou com a mãe, juntou os brinquedos na mochila e pensou em sair, mundo afora?

A minha avó não preparava bolinhos. Mas, sempre que podia, fazia questão de nos agradar. Na época, eram cerca de 8 netos. Esses, seus por natureza; outros tantos, do coração. Lembro também que de vez em quando algum de nós aprontava. Então ela gritava "ô, menino!" e sabíamos que alguém em casa iria apanhar.

Essa saudade aumenta a minha fragilidade. Não falo apenas por mim, egoísta e enganadora, mas por uma lembrança compartilhada com ternura e bondade.

Recordações que me fazem bem, que me trazem um vazio, que me fazem chorar. Sentimentos há muito esquecidos, mas que vêm e vão, só para me lembrar que, enfim, fui feliz.

domingo, 2 de março de 2008

Você vem sempre aqui?

– Oi. Você vem sempre aqui?
– Ah, não... esse papinho besta não... Pelo amor de Deus! Vocês homens poderiam tentar ser mais originais de vez em quando! Acham mesmo que conquistam alguma mulher assim?
– Mas eu só queria...
– Eu sei, eu sei. Um cafezinho agora, uns beijinhos mais tarde e depois, quem sabe, conhecer meu apartamento. Vocês acham que todas nós somos bobas? Fáceis? Carentes?
– Mas eu não...
– Eu sei... Você é diferente de todos os outros; é claro!
– Não, moça, você não está entendendo.
– Quer saber? Não estou interessada!
– Nem eu!
– Que? Como assim?
– Não estava dando em cima de você. Aliás, eu tenho namorada. Estava apenas querendo saber se o ônibus costuma demorar aqui, nesse ponto.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Curiosidade

– Mãe... Eu tava aqui pensando... O que é que determina a moda?
– As tendências... sei lá! Mas por que você está me perguntando isso?
– Porque eu ouvi o Paulinho falar que o amor está fora de moda.
– Como assim?
– Eu perguntei se ele me amava. E ele respondeu que “não... amar está fora de moda”.
– Ora essa!

[a menina dá as costas, voltando logo em seguida]

– Mãe... é possível que alguém um dia se apaixone por mim?
– Sim, meu amor... é perfeitamente possível. Mas, por quê?
– Ah, todas as minhas amigas têm paqueras, só eu não tenho ninguém!
– Vai ver que existe alguém que gosta de você, mas não teve coragem de se declarar.
– Sendo assim, eu posso ou não considerar que esse alguém esteja apaixonado?
– Pode sim.
– Hum... Então existem umas 50 pessoas apaixonadas por mim!
– Como assim, menina?
– As minhas amigas dizem que sabem que um cara está apaixonado quando ele fica olhando de um jeito diferente, quando ele às vezes desvia o olhar quando percebe que elas estão olhando... essas coisas.
– Mas é cada uma que eu vejo!

Madrugada

Faz frio lá fora e tudo o que desejo nesse instante é uma xícara de café. No momento, escrevo como forma de evitar a solidão, já que durante meses busquei companhias que me fizessem bem, que acalmassem o meu espírito e aquecessem o meu coração, e acabei por não encontrá-las. Tudo o que encontrei foram palavras vazias, gestos sem sentido, e outros mecanizados, sem ternura.

Escrevo como forma de desabafo, para pedir ajuda, receber perdão. Peço a você, minha amiga, que me entenda. Que perdoe se não estiver sendo claro o suficiente, mas é que já é tarde; estou cansado e confuso. Não tive coragem de acender as luzes, pois todos estão dormindo.

Por mais que saiba que tudo passará pela manhã, durante as madrugadas fico triste, pois me sinto sozinho. Por muitas vezes apenas me encolhi em um canto e tentei sufocar o choro para que não despertasse a minha mãe que trabalha o dia inteiro e que não merece ter o seu descanso interrompido.

É um sentimento tão estranho esse que toma conta de mim... Quero chorar, desaparecer, mas ao mesmo tempo, tenho medo. Medo de me prostrar, de não conseguir resistir às pressões... a mim!

A vista dói, sinto meus olhos pesados, graças ao inchaço das minhas pálpebras. Não sei se terei coragem de lhe entregar essa carta, mas... como eu gostaria que soubesse de tudo o que se passa comigo! Talvez, conscientemente eu não queira... mas a fantasia de entregar-lhe essa carta é quem me dá motivação a continuar escrevendo.

Escrevo já sem pudor ou vertigem, mas com uma certa tristeza. Escrevo a torto e a direito, como um inconseqüente que apronta...

Queria desabafar sobre a minha vida, sobre o que tem acontecido comigo desde a última vez em que nos vimos.

Lembra da Silvinha, aquela menina que lhe apresentei há uns anos? Pois é... Depois de ter me deixado louco de amores, ela me abandonou. Disse que precisava se afastar por uns tempos, que esperava que eu ficasse bem, mas que não dava mais. Isso me magoou tanto, você nem imagina! Todos os dias eu ficava a pensar nela, na esperança de que voltasse atrás. Mas isso já faz um ano. Na verdade, hoje é exatamente o aniversário dessa sua decisão de me deixar. Talvez por isso esteja escrevendo para lhe contar. Ah, Silvinha, por que fez isso comigo? Por que me quer assim tão mal? Não vê que estou sofrendo?

Minha boa amiga... só com você posso contar nesse momento de tristeza. Sei que não está aqui comigo, mas é como se pudesse lhe sentir me abraçar. Estou tão triste! Desejava agora o teu colo para me mimar, mas sei que não posso; estamos longe.

O dia está amanhecendo... Vou juntar essa carta às tantas outras que a Silvinha mandou devolver.

Espero vê-la um dia.


J.M.

Conversa de Elevador

– Desce?

Você já ouviu a expressão “conversa de elevador”? Pois bem... Dia após dia, o Miguel ouve histórias incompletas no elevador em que trabalha como ascensorista, o que lhe deixa quase sempre curioso. É sempre assim: alguém entra, destrinchando a vida alheia, contando todos os seus pormenores, mas na hora em que a história começa a ficar interessante, é chegada a hora de partir.

– Tchau.
– Até logo.
– Desce.

A história do amante traído pelo seu legítimo rival (o marido da ilustre senhora) desafiava a imaginação do jovem, que pouco conhecia da alma feminina.

– Sobe!
– Vou no próximo, obrigada.
– Sabe o Paulinho, do 302?
– Sei, sim. Aquele menino é uma peste... Nunca vi mais danado!
– Pois é... Dizem que foi expulso de duas escolas esse semestre.
– Mas por quê? O que o garoto aprontou?
– Bom... Na primeira escola, ele estourou bombinhas no banheiro masculino. Aí você já viu, né? Foi aquela confusão!
– Êta menino encapetado!
– Você precisa saber o que ele fez na segunda...
– E o que foi?
– A diretora queria vê-lo. Devia ter aprontado alguma, sendo chamado para levar advertência. O sinal tocou e logo após houve uma confusão no pátio. A diretora precisou sair e pediu que ele esperasse dentro da sala.
– E aí?
– Sobe?
– Sim senhora, dona Lúcia. Bom dia.
– Bom dia.
– Quando ela saiu, o menino estava sentado, mas logo aproveitou que estava sozinho e foi fazendo arte.
– Meu Deus...
– Pois é. O danado revirou os papéis que estavam na mesa, derrubou cola em alguns deles, e colocou o restante, que havia ficado no tubo, dentro de uma gaveta onde estavam guardados alguns documentos importantes. Aí já viu, né? Expulsão.
– É... Esse garoto tem mesmo cara de ser perturbado. Os pais deveriam fazer alguma coisa.
– Eu já sugeri à Amélia, mãe dele, que o leve ao doutor Raul. Ele é um ótimo psiquiatra; vai dar um jeito no garoto.
– Mas você acha mesmo necessário?
– Se o Raul não der um jeito nele, não sei quem pode...

[porta abre]

– É o meu.
– Tchau, Silvinha.
– Tchau, Margot...

E lá se foi um dos elos fundamentais nas conversas de elevador; alguém disposto a compartilhar das informações que estão sendo passadas: a famosa vizinha fofoqueira. É... Mesmo não tendo sido ela a “contadora” da história, em nenhum momento me pareceu fatigada ou incomodada com a inconveniência, que assim seria percebida por algum um outro morador, menos dado a essas bestialidades.

­– Desce.
– Mas já? Então passou da minha hora de descer...
– Desculpa, dona Margot. É que eu não podia perder o fim dessa história.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Bruninha

Dois amigos em um bar

— Sabe a Bruninha?

— A do 302?

— Sim, ela.

— Que tem?

— Ela me lembra meus amores da adolescência.

— Hmm...

— Aquele jeito doce, aqueles olhos verdes, aquela mancha no pescoço.

— Que mancha?

— Não importa. Ela é uma fofa.

— Que papo de fofa é esse?

— Eu fugiria com ela... pra longe!

— Hmm...

— Voltaríamos dois meses depois, ela já grávida do primeiro filho. Betinho... isso. Depois nasceria a Rebeca.

— Filhos pra quê?

— Eu seria um bom marido pra ela, sabe? Sairíamos aos fins de semana e deixaríamos os filhos com a minha mãe. Ela iria adorar os netos.

— Olha, a verdade é que...

— Espera, espera... Mas eu me separaria da Bruninha dez anos depois. Ela engordaria e não faria mais panquecas pra família. Agora só iria querer saber de assistir a novela das seis e de fofocar com a vizinha. Maldita Rosemília.

— Tá ficando tarde.

— Eu fugiria com uma aluna minha depois disso. E sem assinar os papéis do divórcio. Mas ela me roubaria os cartões de crédito. Eu ficaria revoltadíssimo, bêbado, e a deixaria pelada no hall da pousada. Sim. Depois de passar 3 meses preso, eu me candidataria a vereador, só pra provar que o povo elege os candidatos sem ligar para o passado deles. É. Depois estaria no Jô Soares falando sobre minha vida, quando me lembraria da Bruninha. O amor da minha vida. Beijaria o Jô, sairia correndo pra casa e reencontraria a Bruninha, agora magra depois do SPA, que me perdoaria e faríamos juras eternas, depois de muito sexo, é claro.

Ele, sozinho na mesa do bar, fecha os olhos e sorri tolamente, com a visão da Bruninha em seus Braços. Uma mulher entra no bar

— Vai já pra casa homem, as crianças tão te esperando.

— Ok amor... – ainda sorrindo de olhos fechados.

— Anda, homem de Deus.

— Me deixa sonhar, Rosemília!

Intervenção Urbana.

Ah, a cidade, o ápice da civilização... onde encontramos tudo que procuramos, tudo de bom e melhor ao nosso alcance, tão linda... suas ruas, seus sinais, seus shoppings, seus prédios resideciais, comerciais, sua prestação de serviços, seus mendigos, suas esmolas, seu policiais, seus bandidos, suas boates, seus moteis, seus pastéis, seus jovens, seus asilos, seus garis, seus porcos!

A cidade inventa sua lei que impera sob todos os cidadãos dando uma falsa e [in]tensa impressão de ordem. Intervir para mostrar sua verdadeira face, tanto a carniça como a beleza apodrecida e domesticada. Fazer a arte emergir do caos através da ação.

Para ser feliz

Textinho interessante...



É preciso não pensar na idade mas vive-la; Saber ser feliz é preciso antes de tudo encontrar a paciência, suprir a necessidade da mente em busca do dia-a-dia na consciência de entender que um dia você pode lutar para vencer mesmo que antes já tivesse sido derrotado, mas sem nunca perder as esperanças. Porque o comodismo é a injustiça da liberdade que provoca o transtorno do pecado e o desamor, a condição de caminhar pela paz. E a vida é todo espaço de tempo que temos para pensar no momento em que estamos consciente do que fazemos em benefício do amanhã.



Mandei esse texto pra "Filha do Céu", axei a cara dela ^^

Dona Regina

– Ele fugiu! Ele fugiu, dona Regina, nem adianta procurar.
– Mas não é possível que o gato tenha escapado logo agora, na hora de comer. Se fosse amanhã, eu não diria nada, afinal vou levá-lo ao veterinário.
– Então tá explicado! Ele fugiu, com medo.
– Medo de que, seu Juracir? E ele lá sabia que iria ser levado ao médico?
– Essas coisas o bicho sente, minha senhora. Tanto sentiu que ficou com medo e escapuliu.
– Não é possível... E agora, o que eu faço?
– Agora é só esperar o bichano voltar.
– Bichano não, seu Juracir. Alfredo.
– O seu gato se chama Alfredo?
– Isso mesmo!
– Tudo bem, dona Regina... Agora é só esperar “o Alfredo” voltar.
– Ai, meu Deus! Coitadinho dele... Vai ficar a noite inteira com fome e com frio. O senhor já viu como está frio lá fora?
– Quando estiver com fome ele volta, não se preocupe.
– Eu me preocupo, sim. Na verdade, mais comigo do que com ele.
– Como assim?
– É que desde que meus filhos foram embora, ele tem sido minha única companhia.
– É mesmo, dona Regina... Faz muito pouco tempo que estou morando aqui, mas desde que me mudei não notei a presença de nenhum dos seus filhos. Eles não vêm lhe visitar?
– O Pedro vem de vez em quando e o Marcelo não mora na cidade.
– Entendo.
– O Alfredo tem sido como um filho pra mim nesses últimos anos.
– E o seu marido? Desculpa perguntar...
– Aquele traste já foi é tarde!
– Ele morreu?
– Não. Foi morar com outra mulher. “A outra”, com quem ele me traía.
– Eu sinto muito.
– Não precisa. Nem eu sinto, pra falar a verdade. Eu fico até feliz de ter me livrado daquele lá. Ô homem pra me dar desgosto!

[Silêncio]

– E o meu gatinho, onde será que está? Alfredo! Alfredo? Vem aqui com a mamãe, neném! Querido...
– Já é tarde, dona Regina. Não é melhor a senhora entrar e esperar que ele volte?
– Não, seu Jurandir. Se quiser, pode voltar pra casa, mas eu vou ficar aqui, procurando.
– A senhora é quem sabe. Mas se precisar de mim, é só bater na porta.
– Muito obrigada.

[Duas horas depois]

– E aí, dona Regina?
– Nem sinal do meu gatinho...
– A senhora não acha melhor voltar a procurar amanhã?
– Pode ser. Estou muito cansada...
– Então... Vá descansar, que eu prometo lhe ajudar amanhã, logo cedo.
– Acho que não vou conseguir dormir essa noite. É que sou muito apegada a ele! Quando a gente chega em uma certa idade, seu Juracir, é triste perder alguém de quem se gosta.
– Em qualquer idade é igual, eu garanto.
– Não, não é. Quando se é velha e se está sozinha no mundo, assim como eu estou, as perdas são sempre mais sentidas.
– Então... Vá descansar que amanhã a gente encontra.
– Vou sim, mas com muita dor no coração. Boa noite, seu Juracir.
– Boa noite, dona Regina.

[Chegando em casa]

– Pobre do meu gatinho... Deve estar sozinho, na rua; com fome, sede, andando ao relento...
– Ai, meu Deus! Onde foi que eu enfiei aquele maldito gato?