domingo, 9 de novembro de 2008

Finalizando sobre amizade

Carlos acordou dentro da caixa de areia, não é um lugar comum para gatos acrodarem, não que este que lhes narra essas crônicas tenha alguma idéia de onde gatos deveriam acordar, mas não me parece, não sei quanto a vocês, que um animal que se dá ao trabalho de enterrar seus dejetos se deleite em acordar em cima deles, afinal é um gato não um ser humano. O ser humano, héroi dessas crônicas, vai acordar dentro em pouco, mas ao contrário do gato, José não estará de ressaca, de fato, faz algum tempo que José não bebe uma gota de álcool. Ontem a noite, antes de entrar no apartamento da vizinha, antes de beijá-la, estava ele comendo e lhe perguntaram o que ele queria para acompanhar o prato e para a surpresa de ninguém, José responde, Nada, estou satisfeito com água. Ninguém tinha motivos para ficar surpreso, pois só ninguém e nós sabíamos dos problemas de José com álcool, mas apenas ninguém presenciou a cena, segundo ele, impressionante. Contudo, antes de sair para aquele inesperado jantar, inesperado para todos, José teve o cuidado de encher taças, cálices, canecas e copos, cada um com um tipo de bebida que melhor satisfizesse as etiquetas que aqui devem ser respeitadas, pois apesar de Carlos ser um gato, e mais recentemente, um gato alcoólatra, ele é muito atento às regras de etiqueta, lembremos que ele enterra seus dejetos. Então concomitantemente ao jantar, romântico de José, Carlos usa sua delgada língua para capturar a cerveja do caneco, o licor do cálice, a caipirinha do copo, pequeno erro de etiqueta, e por fim o vinho do porto da taça, mas que se repare que apesar de cruzar mais de uma vez suas quatro patas entre si, de cair, com certeza não em pé, Carlos ainda cambaleou até a privada da casa para beber água, para limpar o paladar, ele sabe que não se deve beber algo dessa qualidade de qualquer forma, bem verdade que ele quase morreu afogado na privada e teve o desprazer de quase acordar e presenciar seu estado, mas ele voltou, menos cambaleante, até a taça e a bebeu, não, não a bebeu, graças a sua experiência de quase-morte, podemos dizer ele saboreou o vinho. José, nesse interím, já está no quarto da vizinha, aquela mesma do elevador, apesar de eu ser o narrador não me perguntem o que ele fez para apagar a desastrosa primeira impressão e estar agora com aquela vizinha no apartamento dela, mas não se preocupem que eu me esforçarei para arrancar essa informação desse personagem que gosta de se manter fechado, no entanto, pondo de lado essa questão, fica uma outra, a de saber por que raios um ser humano antes de sair de casa enche recipientes de álcool para que seu gato beba. Geralmente a resposta mais simples serviria, a saber, é um ser humano, pode se esperar tudo desse tipo. Mas no caso específico de José é a culpa que o faz cumprir esse ritual, ele já tentou deixar seu gato abstêmio, mas antes de virar a chave pela segunda vez o pensamento de que havia sido ele a iniciar o gato naquele vício não permitia que ele se fosse sem deixar algum tipo de compensação para o infeliz que havia prejudicado, e talvez para se consolar dizia, Eu conseguir sair dessa, ele também vai, dizia-o em voz alta, talvez para se convencer. Contudo, por mais que eu tenha escrutinado insidiosamente o cérebro de José, não consigo achar o motivo de ele ter que colocar cada bebida num recipiente adequado, vá lá, Carlos não é um gato qualquer, é um gato refinado, mas o mais refinado dos gatos não atentaria para a diferença entre se beber vinho numa taça ou em um cálice. Então, na noite anterior, depois de ter colocado cada bebida em seu devido lugar, José se dirige a porta, Carlos o encara do sofá, onde acaba de perceber que o dono vai sair, mais perfumado do que geralmente sai, José abre a porta, Carlos continua a encará-lo, José olha para trás e ouve Carlos dizer, Disponha. E nessa manhã, quando abriu os olhos o homem disse, Obrigado, olhando para a dama morena que deitava ao seu lado, ela virou para o lado e continuou a dormir, sabia que a palavra não era para ela.

3 comentários:

Laura Regina disse...

waldez!
q maximo!!
amei o narrador pensante!
e o Jose, que embebeda seu gato!
mas o fim eh lindinho!
amei, amei, amei!

Waldez disse...

brigado! o próximo será o ultimo dos personagens...
também gostei do final.

Waldez disse...
Este comentário foi removido pelo autor.