– Desce?
Você já ouviu a expressão “conversa de elevador”? Pois bem... Dia após dia, o Miguel ouve histórias incompletas no elevador em que trabalha como ascensorista, o que lhe deixa quase sempre curioso. É sempre assim: alguém entra, destrinchando a vida alheia, contando todos os seus pormenores, mas na hora em que a história começa a ficar interessante, é chegada a hora de partir.
– Tchau.
– Até logo.
– Desce.
A história do amante traído pelo seu legítimo rival (o marido da ilustre senhora) desafiava a imaginação do jovem, que pouco conhecia da alma feminina.
– Sobe!
– Vou no próximo, obrigada.
– Sabe o Paulinho, do 302?
– Sei, sim. Aquele menino é uma peste... Nunca vi mais danado!
– Pois é... Dizem que foi expulso de duas escolas esse semestre.
– Mas por quê? O que o garoto aprontou?
– Bom... Na primeira escola, ele estourou bombinhas no banheiro masculino. Aí você já viu, né? Foi aquela confusão!
– Êta menino encapetado!
– Você precisa saber o que ele fez na segunda...
– E o que foi?
– A diretora queria vê-lo. Devia ter aprontado alguma, sendo chamado para levar advertência. O sinal tocou e logo após houve uma confusão no pátio. A diretora precisou sair e pediu que ele esperasse dentro da sala.
– E aí?
– Sobe?
– Sim senhora, dona Lúcia. Bom dia.
– Bom dia.
– Quando ela saiu, o menino estava sentado, mas logo aproveitou que estava sozinho e foi fazendo arte.
– Meu Deus...
– Pois é. O danado revirou os papéis que estavam na mesa, derrubou cola em alguns deles, e colocou o restante, que havia ficado no tubo, dentro de uma gaveta onde estavam guardados alguns documentos importantes. Aí já viu, né? Expulsão.
– É... Esse garoto tem mesmo cara de ser perturbado. Os pais deveriam fazer alguma coisa.
– Eu já sugeri à Amélia, mãe dele, que o leve ao doutor Raul. Ele é um ótimo psiquiatra; vai dar um jeito no garoto.
– Mas você acha mesmo necessário?
– Se o Raul não der um jeito nele, não sei quem pode...
[porta abre]
– É o meu.
– Tchau, Silvinha.
– Tchau, Margot...
E lá se foi um dos elos fundamentais nas conversas de elevador; alguém disposto a compartilhar das informações que estão sendo passadas: a famosa vizinha fofoqueira. É... Mesmo não tendo sido ela a “contadora” da história, em nenhum momento me pareceu fatigada ou incomodada com a inconveniência, que assim seria percebida por algum um outro morador, menos dado a essas bestialidades.
– Desce.
– Mas já? Então passou da minha hora de descer...
– Desculpa, dona Margot. É que eu não podia perder o fim dessa história.
Um comentário:
Nuss
Ainda bem que eu não sou a única curiosa desse mundo ^^
Adorei, na verdade..me identifiquei.
Acho que todo mundo gosta de ouvir uma conversa (no ônibus, então) e fica super curioso pra saber o final.
=*
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